“Eu conheço a tua miséria”
Ser amado significa imensas coisas, mas basta-nos isto, para já: é ser desejado, querido,
acolhido e escolhido, aceite e respeitado, cada um como é, com todas as suas
qualidades e com todos os seus defeitos ou misérias. Deus acolhe cada um assim
mesmo, como é, e não como deveria ser, pois o que cada um devia ser, mas não é,
nem sequer existe, a não ser na imaginação. Deus não ama o que não existe. Se
Deus amasse esse ser ideal, perfeito, criava-o porque, para Deus, amar e criar
são acções simultâneas. Só existe de facto, a realidade do que cada um é,
hoje, aqui e agora, com as suas grandezas e misérias. É a esse homem real que
Deus ama, respeita, acolhe e escolhe, com predilecções que a nossa
inteligência não pode sequer entender. A consciência de se ser amado por Deus,
vai ganhando corpo quando se insiste na oração, tenha ela a forma que tiver, e
na contemplação silenciosa da vida de Jesus Cristo. Deus também pede a cada um
que O ame, como é, na realidade, e não como deveria ser. O preceito: «Amarás ao
Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua
mente» (Mt 22, 37. Deus ama, respeita, acolhe, entende e não condena o pecador
de mãos vazias. A melhor atitude como ponto de partida, é a de tomar
consciência dessa verdade, sem susto, e a de se deixar amar por Deus, não por
merecer esse amor, mas porque o seu amor é gratuito. Jesus Cristo revela ao mundo que Deus é amor, não
à maneira dos amores humanos, que desconhecem e estranham, muitas vezes,
o gesto gratuito, mas em totalidade. Deus não ama ninguém por ele ser bom, por
ser bonito ou por ser agradável, ou por apresentar uma folha de serviços
impecável. Deus não tem razões fora d’Ele próprio, para amar. O Seu amor não é
motivado por razões que lhe venham de fora. Ama porque é amor. Assim, também
não há razões que O desmotivem. Uma razão que poderia desmotivá-Lo, se
emprestássemos a Deus os nossos pequenos critérios, seria o pecado. Para nós de
facto, uma ofensa, uma calúnia, um ódio, uma fraude, são razões mais do que suficientes para
desmotivar o amor, ou mesmo para criar o desamor. Jesus Cristo veio dizer-nos
que Deus não é assim. A ofensa neste caso, o pecado, não O desmotiva; muito
pelo contrário, centra de tal maneira no pecador e em todos os outros, as suas
razões para agir que, esquecido de si, entra no mundo do pecado, dá a vida
pelos que pecam e pede o perdão para os que O matam. Só neste contexto se pode
ouvir da boca de Jesus, o mandamento desconcertante para o sentir comum dos
mortais: «Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem» (Mt 6, 44).
O Senhor diz-nos: «Eu, teu Deus, conheço a tua
miséria, os combates e as tribulações da tua alma, a fraqueza e as enfermidades
do teu corpo; Conheço a tua frouxidão, os teus pecados, as tuas falhas; mesmo
assim, eu te digo: ‘Dá-me o teu coração, ama-Me como és’. Se esperas ser um
anjo para te entregares ao amor, nunca Me amarás. Embora, tornes a cair muitas
vezes nessas falhas que desejarias nunca conhecer, embora, sejas indolente na
prática da virtude, não te permito que não ames. Ama-Me como és. Em cada
instante e em qualquer situação em que te encontres, no fervor ou na aridez, na
fidelidade ou na infidelidade, ama-Me tal como és. Quero o amor do teu coração
indigente. Se, para Me amares, esperas ser perfeito, nunca Me amarás. Meu
filho, deixa-Me amar-te, Eu quero o teu coração» …
Moisés Oliveira
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