quinta-feira, 18 de junho de 2009

TUDO BAIXOU...


Prosseguimos com alguns outros trechos da Beata Alexandrina, porque estamos seguros que foi uma das maiores ― senão a maior ― místicas do século XX.
Depois de nos ter explicado sucintamente a diferença entre morte natural e morte mística, ela aqui nos conta o estado da sua alma e demonstra e interdependência que existe entre aquelas duas mortes e a vida interior da alma que toda se entrega ao Senhor. “Já não vivo, só vive a minha dor amada, só vive o meu inexplicável martírio”, explica ela com simplicidade. Sabemos que toda a sua vida foi um “martírio de amor”, uma doação sem falhas um oferecimento constante pelas almas dos pecadores. Este estado de alma-vítima, escondido “por detrás de um sorriso”, foi uma constante na vida da Alexandrina: desde a sua juventude até ao seu último suspiro em 13 de Outubro de 1955, “no calvário de Balasar”.

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« Nova transformação na minha alma. Morreu por completo aquele pequenino sopro de vida. Já não sinto aquela respiração que de longe a longe sentira. Vive em mim a dor e essa de toda a qualidade e espécie. Morri, morri para o mundo e para as criaturas. Tudo baixou ao túmulo para ficar para sempre sepultado. Meu Deus, que horror! Já não vivo, só vive a minha dor amada, só vive o meu inexplicável martírio. Poderá ele, sem a minha vida, dar a vida às almas? Poderei ser ainda útil à humanidade? Ó Jesus, ó Jesus, posso assim amar-Vos e consolar o Vosso santíssimo Coração? Pobre de mim! Depois do ódio e do abandono, depois do esquecimento, do desprezo, baixei à minha sepultura, já vivo na eternidade e sem que me désseis o meu Paizinho e sem ter de novo aqui a Santa Missa. Nunca mais, meu Jesus; nunca mais posso ter alegria, a não ser com os olhos em Vós. Podem de novo darem-me tudo o que me roubaram, sinto que para mim tudo é morte e que já é tarde para me ser restituído aquilo que eu mais amava e estimava depois de Vós, ó meu Jesus. Ai a Santa Missa! O meu director espiritual! E tudo mais, meu Jesus, tudo mais! Que horror! Como resistir a tanto? Não fui eu, meu Amado, fostes Vós em mim, foi o Vosso Amor. Obrigada, meu Jesus! Continuai a dispensar-me, dai-me força.
A minha eternidade não tem luz : é uma eternidade que não Vos ama, que não Vos louva, que não Vos vê, que não Vos goza. Tremenda eternidade. Não ver a Jesus é uma eternidade de morte. Só a dor triunfa sobre a morte. É o que vivo na eternidade que sinto. Seja qual for o estado da minha alma, Jesus, apressai-Vos, cumpri as Vossas santas promessas. Eu espero, eu espero, confiada por Vosso amor. Dai, Jesus, dai a vida às almas com a minha morte, com a minha eternidade. Dai-lhes a Vossa eternidade ; dai-lhes o Céu, o Céu, ó Jesus. »

Alexandrina de Balasar: “Sentimentos da alma”; 13 de Maio de 1944.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

MORTE: MISTICA E NATURAL

Uma explicação...

A Beata Alexandrina Maria da Costa, já conhecida “até aos confins do mundo”, escreveu no seu diário intitulado “Sentimentos da Alma”, páginas cujo valor ascético e místico é simplesmente extraordinário, porque ela ali explica com palavras simples situações dificilmente explicáveis, como o trecho que abaixo ides ler. Aí está explicada a diferença entre a morte natural e a morte mística.
Seria bom que peritos em ascética e mística ― que infelizmente são agora raros ― estudassem os escritos da Beata de Balasar. Quantas lições poderíamos então receber desses escritos!
Mas, os tempos de Deus não são os nossos e, por isso mesmo, aguardemos que Ele permita ou sugira, na ocasião propícia almas fortes que se atrelem a esse dito estudo e nos mostrem com clareza, quem foi na verdade a Alexandrina Maria da Costa.

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« Senti a minha alma desprender-se da terra e subir mais alto, ficando a vivificar o meu corpo, que ficou cá em baixo, como que uma corrente eléctrica que servia de união entre os dois. Este desprendimento custou imenso ao meu corpo cujos olhos fitavam-se em Jesus crucificado para alívios das suas dores. No entanto, à minha alma sentiu-se no regaço da Mãezinha, sustentando comigo o seu divino Filho morto.
Este facto deu luz à minha inteligência, dando-me a conhecer que o que Jesus me prometera a 15 de Agosto de 1943, ter-se-ia realizado não na forma que eu julgava mais natural, isto é, que eu teria ido para sempre para o Céu, mas que iria para voltar.
Esta luz não foi impressão de um momento, mas sim uma nova transformação que se operou em mim e que me obrigou a dizer que certamente não teria morrido, mas que Jesus referia-se com certeza a este novo estado da alma.
Convenci-me de tal forma, que nunca mais pensei dar-se, no dia marcado por Jesus, a morte real. »

Alexandrina de Balasar: Sentimentos da alma; Fevereiro de 1944.

terça-feira, 16 de junho de 2009

A MISSA E A MORTE V

A acção de graças

Enfim, cada qual deveria fazer de sua morte ― em união com Nosso Senhor e a Virgem Maria ― um sacrifício de acção de graças, por todos os benefícios recebidos desde o baptismo, rememorando quantas absolvições e comunhões nos remiram ou guardaram no caminho da salvação.
Jesus fizera de Sua morte um sacrifício de acção de graças, ao dizer: “Consummatum est ― Está consumado” (Jo 19, 30); Maria disse o “Consummatum est” junto com Ele. Tal forma de oração ― que permanece na missa ― não acabará, ainda que à última missa a ser dita, ao fim do mundo. Quando não houver mais sacrifício propriamente dito, haverá sua consumação, e nela haverá sempre a adoração e a acção de graças dos eleitos que, unidos ao Salvador e a Maria, entoarão o Sanctus ao lado dos anjos e glorificarão a Deus, louvando-O.
Essa acção de graças é admiravelmente expressa pelas palavras do ritual que o padre prolata à cabeceira dos moribundos, após dar-lhes a derradeira absolvição e o santo viático: “Proficiscere, anima christiana, de hoc mundo...: Saí deste mundo, alma cristã, em o nome de Deus Todo-Poderoso, Que vos criou; em o nome de Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, Que sofreu por vós; em o nome da gloriosa e santa Mãe de Deus, a Virgem Maria; em o nome do bem-aventurado José, seu esposo predestinado; em o nome dos Anjos e Arcanjos; em o nome dos Patriarcas, dos Profetas, dos Apóstolos, dos Mártires; em o nome de todos os Santos e Santas de Deus. Que ainda hoje vossa habitação seja na paz, e vossa morada na Jerusalém celeste, por Jesus Cristo Senhor Nosso”.
Concluindo: repitamos frequentemente ― a fim de rebrilhar-lhe o valor ― o ato recomendado por S. S. [São] Pio X, e roguemos a Maria a graça de fazer de nossa morte um sacrifício de adoração, de reparação, de suplicação e de acção de graças. Quando assistirmos os moribundos, exortemo-los ao sacrifício, a associar-se às missas que então se celebrem. E desde agora, por antecipação, façamo-lo nós mesmos, renovemo-lo com insistência a cada dia, como se fosse o último; desta feita, dispor-nos-emos a fazê-lo habilmente ao momento supremo: então saberemos que “Deus conduz a profundos abismos e deles tira”; nossa morte será como que transfigurada; apelaremos ao Salvador e a Sua Santa Mãe para que nos venha levar, concedendo-nos a graça derradeira, que nos assegurará definitivamente a salvação, através de um último ato de fé, de confiança e de amor.

Garrigou-Lagrange: La vie spirituelle nº 194, nov. 1935

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A MISSA E A MORTE IV

Suplicação

O moribundo não deve fazer tão-somente da morte um sacrifício de adoração e reparação, mas também um sacrifício impetratório ou de suplicação, em união com Nosso Senhor e Maria.
São Paulo escreve aos Hebreus (5, 7) : “Nos dias de sua vida mortal, dirigiu preces e súplicas, entre clamores e lágrimas (...), e foi atendido pela sua piedade (... ) tornou-se autor da salvação eterna para todos os que Lhe obedecem”. Recordemo-nos da prece sacerdotal do Cristo após a Ceia e antes do sacrifício da Cruz: Jesus aqui rezou por Seus apóstolos e por nós... “porque vive sempre para interceder em seu favor” (Hb 7, 25). Particularmente, [o Cristo reza] durante o sacrifício da missa, onde Ele é o principal sacerdote.
Jesus, que rogara por seus algozes, roga pelos moribundos que se recomendam a Ele. A Virgem Maria intercede junto a Ele, ao recordar o que nós muitas vezes dizemos: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte”.
O moribundo deve associar-se às missas que se celebram longe ou perto dele; deve solicitar através delas, através da grande oração do Cristo, que nelas se prolonga, a graça da boa morte ou da perseverança final – a graça das graças, a dos eleitos. Convém que se suplique não apenas para si, mas para todos os que morrem àquele momento.
Para nos dispormos desde agora a fazer esse ato suplicatório de última hora, oremos com frequência, ao assistir à Santa Missa, por aqueles que vão morrer no correr do dia. Conforme a recomendação de S. S. Bento XV, façamos celebrar uma missa quando em vez para obter, através desse sacrifício suplicatório de valor infinito, a graça da boa morte ou o aproveitamento dos méritos do Salvador. Façamos também celebrar algumas missas por alguns de nossos parentes e amigos que nos causaram inquietação acerca de sua salvação, para lhes obter a graça derradeira, e por aqueles que teríamos escandalizado e talvez distanciado do caminho de Deus.

Garrigou-Lagrange: La vie spirituelle nº 194, nov. 1935

A MISSA E A MORTE III

Reparação

Outro fim do sacrifício é a reparação da ofensa feita a Deus pelo pecado, e a expiação da pena devida ao pecado. Devemos fazer de nossa morte um sacrifício propiciatório: a adoração dever ser, a bem dizer, reparadora.
Nosso Senhor expiou superabundantemente nossas faltas, porque – diz Santo Tomás (IIIª q. 48, a. 2) – ao oferecer Sua vida por nós, fizera um ato de amor que agradava mais a Deus do que O aborrecia todos os nossos pecados reunidos. Sua caridade foi muito maior que a malícia dos algozes; possuía um valor infinito tirado da personalidade do Verbo.
Ele as expiou por nós, que somos os membros de Seu Corpo Místico. Mas como a causa primeira não torna inúteis as causas segundas, o sacrifício do Salvador não torna inútil o nosso, mas o suscita e dá-lhe o valor. Maria dera-nos o exemplo, ao unir-se aos sofrimentos de seu Filho; desta feita, expiara por nós, a ponto de merecer o título de Co-redentora.
Ela aceitou o martírio de seu Filho ― Que, além de amado, era legitimamente adorado ― que ela amava com coração afectuosíssimo, desde que O concebera virginalmente.
Mais heróica que o patriarca Abraão, o qual pronto a imolar seu filho Isaac, Maria, ao oferecer seu Filho por nossa salvação, viu-O morrer realmente entre atrocíssimos sofrimentos físicos e morais. Não veio nenhum anjo para impedir a imolação e dizer a Maria, tal como ao patriarca, em o nome do Senhor: “agora Eu sei que temes a Deus, pois não Me recusaste teu próprio filho, teu filho único”. (Gn 22, 12); Maria viu realizar-se efectiva e plenamente o sacrifício reparador de Jesus, e em face ao qual o de Isaac era senão a figura em preâmbulo. Ela sofrera do pecado na proporção de seu amor por Deus ― a Quem o pecado ofende; por seu Filho ― a Quem o pecado crucificara; por nossas almas ― a quem o pecado corrompe e mata. A caridade da Virgem ultrapassava incomensuravelmente a do patriarca; e nela, ainda mais que nele, realizaram-se as palavras que este escutara: “pois que fizeste isto, e não Me recusaste teu filho, teu filho único, Eu te abençoarei. Multiplicarei a tua posteridade como as estrelas do céu” (Gn, 22, 16-17).
Ora, como o sacrifício de Jesus e de Maria foi sacrifício de propiciação ou reparação pelo pecado, de expiação da pena devida ao pecado, façamos do sacrifício de nossa vida ― em união com eles ― uma reparação de todas as nossas faltas; peçamos desde agora a graça de fazer tal sacrifício com grande amor, o que lhe aumentará ao dobro o valor. Sejamos contentes de pagar essa dívida à justiça divina para que a ordem seja-nos plenamente restabelecida. E se, com tal espírito, unimo-nos intimamente às missas que se celebram todos os dias, à oblação sempre pulsante do Coração do Cristo ― oblação que é a essência dessas missas ― então alcançaremos a graça de fazermo-nos acompanhar dela, mesmo ao último momento. Se essa união de amor a Cristo Jesus é a cada dia mais íntima, a expiação do Purgatório será notoriamente abreviada para todos; poderia acontecer de recebermos a graça de passar nosso Purgatório totalmente por sobre a terra, aumentando no amor e merecendo-o, em vez de fazê-lo após a morte, sem merecê-lo.

Garrigou-Lagrange: La vie spirituelle nº 194, nov. 1935

A MISSA E A MORTE II

A adoração

Jesus sobre a Cruz fizera de Sua morte sacrifício de adoração. Fora a mais perfeita realização do preceito do decálogo: “Temerás o Senhor, teu Deus, prestar-lhe-ás o teu culto e só jurarás pelo seu nome” (Dt 6, 13). É por essa palavra divina que Jesus respondera a Satã, que lhe dizia: “Dar-te-ei todos os reinos do mundo, se Tu te prostrares perante mim para me adorares, si cadens adoraveris me”.
A adoração é devida a Deus somente, por causa de sua excelência soberana de Criador ― já que somente Ele é o mesmo Ser, eternamente subsistente, a mesma Sabedoria, o mesmo Amor. A adoração que Lhe é devida há de ser, por sua vez, exterior e interior, inspirada pelo amor; deve ser adoração em espírito e verdade.
Jesus ofereceu a Deus uma adoração de valor infinito, no Getsemani, ao prostrar a face contra a terra, dizendo: “Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice! Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres” (Mt 26, 39). Essa adoração reconhece pratica e profundamente a excelência soberana de Deus, mestre da vida e da morte; de Deus Que, por amor ao Salvador, queria se servir da morte ― pena do pecado ― para a reparação do pecado e nossa salvação. Há, neste decreto eterno de Deus ― que contém toda a história do mundo ― uma excelência soberana, a qual é reconhecida à adoração no Getsemani.
A adoração do Salvador continua sobre a Cruz ― com Maria se Lhe associando, na medida da plenitude da graça que recebera e que não cessara de aumentar. Ao momento da crucificação de seu Filho, ela adorara os decretos de Deus, autor da vida, Que fizera da morte de seu Filho inocente reparação do pecado, para o bem eterno das almas.
Adoremos Deus, em união com Nosso Senhor e sua Santa Mãe, e digamos de todo coração, como nos insta S. S. [São] Pio X: “Senhor, meu Deus, a partir de hoje, de coração tranquilo e submisso, aceito de vossa mão o género de morte que Vos agradará enviar-me, com todas as suas angústias, todas as suas penas e todas as suas dores”.
Todo aquele que, uma vez na vida e no dia de sua escolha, tiver recitado esse ato de resignação após a confissão e comunhão ganhará uma indulgência plenária que se lhe aplicará à hora da morte, seguida da pureza de consciência. Mas seria recomendável repetir a cada dia esse sacrifício, para assim nos prepararmos a fazer de nossa morte ― o instante derradeiro, em união com o sacrifício do Cristo continuado em substância sobre o altar ― um sacrifício de adoração, considerando o domínio soberano de Deus, Sua majestade e a bondade Daquele “que conduz a profundos abismos e deles tira ― Dominus mortificat et vivificar, deducit ad inferos et reducit” (Dt 32, 39; Tb 13, 2; Sb 14,13). Essa adoração de Deus, mestre da vida e da morte, se pode fazer de modos bem diferentes, conforme as almas sejam mais ou menos esclarecidas: não é realmente melhor unir-se desta feita, a cada dia, ao sacrifício de adoração do Salvador?
Sejamos desde agora adoradores em espírito e verdade; que a adoração seja tão sincera e profunda que se reflicta realmente em nossa vida e nos disponha àquela que devemos possuir ao instante final.

Garrigou-Lagrange: La vie spirituelle nº 194, nov. 1935

sábado, 13 de junho de 2009

A MISSA E A MORTE I

A missa e a morte – Primeira parte

Podemos aprofundar-nos, de modo abstracto e especulativo, na doutrina cristã e católica do sacrifício da missa; igualmente, podemos fazê-lo de modo concreto e vivido, unindo-se à oblação do Salvador de forma pessoal, e mais particularmente, fazendo por antecipação o sacrifício da própria vida, para obter a graça de uma morte santa.
Mais que ninguém, Maria associa-se ao sacrifício de seu Filho, participando de todos os sofrimentos, na medida de seu amor por Ele.
Os santos ― em especial, os estigmatizados ― participaram extraordinariamente dos sofrimentos e dos méritos do Salvador, um São Francisco de Assis, uma Catarina de Sena, por exemplo; mas, quão profunda tenha sido tal união, fora contudo pouco em comparação a de Maria. Através de um conhecimento experimental ― dos mais íntimos ― e da grandeza de seu amor, Maria ao pé da Cruz penetrou nas profundidades do mistério da Redenção, mais que São João, mais que São Pedro, mais que São Paulo. Ela penetrou ali na medida da plenitude da graça que recebera, da sua fé, do seu amor, dos dons de inteligência e sabedoria que possuía em grau proporcionado à sua caridade.
A fim de que penetremos nesse mistério, aprendendo dele lições práticas que nos permitam preparar-nos para uma boa morte, pensemos no sacrifício que devemos fazer durante nossa vida, em união com Maria, ao pé da Cruz.
Frequentemente, exortamos os moribundos a fazer o sacrifício de suas vidas, para dar um valor de expiação, de mérito e de impetração aos seus sofrimentos derradeiros. Frequentemente, os Soberanos Pontífices ― em particular, [São] Pio X ― convidaram os fiéis a oferecer por antecipação os sofrimentos – quiçá atrozes ― do último instante, para assim bem se disporem a oferecê-los de melhor grado à hora da morte.
Mas para que se faça, desde agora, o sacrifício de nossa vida, é mister fazê-lo em união com o sacrifício do Salvador perpetuado sacramentalmente no altar, durante a Missa, e em união com o sacrifício de Maria, Medianeira e Co-redentora. E para bem observar tudo o que tal oblação deve conter, convém lembrar-se aqui dos quatro fins do sacrifício: a adoração, a reparação, a suplicação e a acção de graças.

Consideramo-las sucessivamente, examinando as lições que trazem.

Garrigou-Lagrange: La vie spirituelle nº 194, nov. 1935

OS TENTADORES

Como trabalham os demónios

Os demónios que permanecem no meio de nós, e receberam o poder de nos tentar, são todos espíritos caídos do último coro. Os anjos destinados à nossa guarda são também simples anjos. Estes espíritos tentadores estão sem cessar ocupados na preparação da nossa perca. Os meios que eles utilizam para isso são tão subtis e tão variados, que a alma que a eles escapa pode sentir-se feliz e não deveria nunca esquecer de agradecer a Deus tão grande graça.
Nem um só momento, quer de dia quer de noite, estes cruéis inimigos deixam de nos tentar ora de uma maneira ora de outra, de maneira a desanimar aqueles que eles não podem vencer nem pela astúcia nem pela violência. A paciência é pois a arma defensiva por excelência. Ai daqueles que a deixam cair das próprias mãos !
Quando estes tentadores ordinários encontram almas fortes e pacientes, que eles não podem nem começar, chamam, para ajudá-los, companheiros mais astuciosos et mais ardis, não para combater com eles ou no lugar deles, porque Deus não o permite, mas para lhes sugerirem estratagemas mais eficazes.
Francisca sabia tudo isso por experiência ; era raro que ela fosse tentada por um só demónio. Regularmente outros vinham associar-se aos primeiros ; e fracos ainda, estes recorriam à malícia dos espíritos superiores que permaneciam no ar.
Ela tinha-se tornado tão perita nesta guerra, que travando combate, ela sabia a que coro (dos anjos) tinha pertencido aquele que dirigia, assim como quem ele era.

Santa Francisca Romana : Tratado do inferno ; Cap. VI.

QUE É UM MISTICO ?

Ser particular e taciturno ?
O místico não é só aquele ou aquela que beneficia de visões sensíveis ou imaginativas ; de locuções interiores, levitações, bilocações ou quaisquer outros dons sobrenaturais excepcionais ; o místico é também, e sobretudo, aquele que vive uma vida interior cheia de recolhimento, cheia de amor de Deus ; o místico é ainda aquele que vive exclusivamente para Deus, de Deus e em Deus, conformando a sua vida, tanto quanto lhe é possível, aos ensinamentos evangélicos, ensinamentos deixados pelo próprio Jesus, que os viveu ao mais alto grau, de maneira que, seguindo o seu exemplo, todos se reconheçam nele.
O místico é portanto aquele que faz dos dois primeiros mandamentos de Deus uma regra de vida e que os vive plenamente, sem se preocupar minimamente de qualquer outra atracção que a vida ou as circunstâncias desta colocam na sua frente.
O verdadeiro místico pensa só em Deus, exclusivamente ; nada mais procura fazer do que a vontade de Deus em todas as coisas, mesmo ao risco de sofrimentos, mesmo se por isso ele deve oferecer a sua própria vida. Isto é pois o primeiro mandamento : “adorar à Deus e ama-lo acima de todas as coisas”.
O verdadeiro místico preocupa-se da salvação das almas e aceita, sem qualquer receio, humilde e amorosamente, participar na redenção do seu próximo. Eis aqui o segundo mandamento : “amar o próximo como a si mesmo”.
O místico não é fanático, mas sim aquele que, habitado pelo amor de Deus, uma só coisa deseja, de nada mais precisa, de nada mais se interessa senão deste amor cioso e amorosamente possessivo que é o amor de Deus, para o qual ele pende continuamente.
O místico é aquele que, ao mínimo chamamento se encontra todo inteiro na presença do se bem amado, que responde sempre presente ao mais pequenino apelo da Sabedoria infinita, à mínima solicitação da Misericórdia divina.
O místico é aquele que, ouvindo pronunciar « o Nome que está acima de qualquer Nome » [1], o nome do seu bem amado, se sente ligeiro como o ar, sente o seu coração cavalgar, arde de amor pelo “esposo”, e, por pouco que não consiga dominar-se, sente seus olhos cheios de lágrimas de alegria, aperta o seu peito e grita : “Jesus ! Jesus, eu amo-te, sou todo teu !” Ele tem como a impressão de já não viver neste mundo e, o seu único e mais veemente desejo è o Céu.
Afonso Rocha

[1] S. Paulo aos Filipenses: 2, 9.