A Igreja é Santa! É Santa e santificadora! Apesar dos pecados de seus filhos!
Mas como entender o paradoxo desta santidade?
1. A IGREJA É
SANTA
A Igreja é santa! As palavras de São
Paulo não nos permitem duvidar: “Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela,
para santificá-la, purificando-a pela água do baptismo, em virtude da palavra,
para apresentá-la a Si mesmo toda gloriosa, sem mancha, nem ruga, nem qualquer
outro defeito semelhante, mas santa e imaculada” (Efésios 5,25-27). Se dizemos
que a palavra de Jesus Cristo é eficaz e efectiva em tudo o que diz (e, por
isso, se Ele diz: “Isto é o meu Corpo”, esse pão já não é pão mas o seu Corpo),
quanto mais efectivos não serão os seus actos e o seu sacrifício! Ele se
entregou por ela (=a Igreja) para santificá-la! Portanto, ela é santa porque o
sacrifício de Cristo é eficaz.
“A Igreja é, aos olhos da fé,
indefectivelmente santa. Com efeito, Cristo, Filho de Deus, a quem com o Pai e
o Espírito Santo é proclamado ‘o único Santo’ amou à Igreja como sua esposa,
entregando-se a Si mesmo por ela para santificá-la (cf. Ef. 5,25-26), a uniu a
Si como seu próprio Corpo e a enriqueceu com o dom do Espírito Santo para a
glória de Deus”[1].
A Igreja é duplamente santa:
a) É santa, em primeiro lugar, porque
ela é o próprio Deus santificando os homens em Cristo por seu Espírito Santo.
Dizia Pio XII: “Esta piedosa mãe brilha sem mancha alguma em seus sacramentos,
com que alimenta seus filhos; na fé, que sempre conserva incontaminada; nas
santíssimas leis, com que obriga a todos; nos conselhos evangélicos com que
adverte; e, finalmente, nos dons celestiais e carismas, com os quais,
inesgotável em sua fecundidade, dá à luz a incontáveis exércitos de mártires,
virgens e confessores”[2].
Esta é santidade “ objectiva” da Igreja.
Ela é um canal inesgotável de santidade porque nela Deus coloca à disposição
dos homens os grandes meios de santidade:
Seus tesouros espirituais – os
Sacramentos – entre os quais o principal é o próprio Cristo sacramentado, fonte
de toda santidade.
Sua doutrina santa e imaculada, que
finca suas raízes no Evangelho.
Suas leis e conselhos, que são
prescrições e convites à santidade.
O Sangue de Cristo tornado bebida
quotidiana do cristão.
A misericórdia do perdão oferecido
sacramentalmente aos pecadores.
b) Em segundo lugar, a Igreja é santa
porque ela é a humanidade em vias de santificação por Deus. Este é o aspecto
complementar do item anterior, ou seja, a santidade “subjectiva” da Igreja.
Os canais de santidade são derramados
sobre os filhos da Igreja e, se não sobre todos, pelo menos sobre muitos produz
verdadeiros frutos de santidade. Ela é o seio que incessantemente gera frutos
de santidade.
Voltaire, apesar de seu ódio contra a
Igreja, reconhecia: “Nenhum sábio teve a menor influência nos costumes na rua
em que morava; porém, Jesus Cristo influi sobre todo o mundo”. Essa influência
são os santos. Quanta diferença entre os frutos “naturais” do Paganismo e os do
Cristianismo! Quando a Igreja gera filhos nas águas do baptismo, os dá à luz
com gérmenes de graça e santidade, os quais, quando os homens não colocam
obstáculos, crescem e dão ao mundo extraordinárias obras de caridade. Por isso,
a Igreja, desde seu início na Jerusalém dos Apóstolos, começou a popular o
mundo com:
Jovens virgens, testemunhas da pureza.
Mártires da fé.
Missionários e apóstolos.
Ermitães e monges penitentes.
Incansáveis operários da caridade, que
consagraram suas vidas aos enfermos, aos pobres, aos famintos, aos abandonados…
Seus filhos inventaram os hospitais,
leprosários, asilos…
Na Antiguidade contava-se a história de
Cornélia, a mãe dos Gregos, filha de Escipião Magno, a qual vendo uma de suas
amigas fazendo ostentação de suas jóias, com um gesto apontou para os seus
filhos – futuros heróis de Roma – e disse-lhe: “Estes são os meus ornamentos e
as minhas jóias!”. Com quanta razão mais a Igreja pode dizer ao mundo,
apontando para os santos de todos os tempos: “Estes são as minhas jóias!”
E apenas isto já fala da santidade da
Igreja, pois para fazer um só santo é necessário um poder divino, já que apenas
a graça do Espírito Santo pode santificar um homem. E a Igreja não deixa de ter
santos nem quando os horizontes são os mais sombrios!
Três sinais, entre muitos outros – dizia
Journet – tornam visível esta santidade da Igreja:
1º) Ela é uma voz que não deixa de
proclamar ao mundo as grandezas de Deus. Essa constância em proclamar e cantar
as maravilhas de Deus é a sua razão de ser. Encontramos a Igreja ali onde
escutamos sem cessar cantar as maravilhas de Deus, defender Sua honra dos erros
do mundo, dar testemunho de Sua grandeza e Sua misericórdia para com os homens.
2º) Ela é uma “sede inextinguível” de
unir-se a Deus. A Igreja está onde suspiram todos os que esperam a manifestação
do Rosto de Deus, os que esperam a vinda de Cristo, os que não se apegam a este
mundo e suspiram por uma pátria melhor, os que se sentem como os desterrados
filhos de Eva.
3º) Ela é um zelo insaciável por dar
Deus aos homens. A encontramos ali onde, com infatigável ardor, existe um
verdadeiro cristão que trabalha pela conversão dos pecadores, por fazer que os
ignorantes conheçam a Deus, por levar o Evangelho aos que ainda não o ouviram…
Porém…
2) NEM TUDO É SANTO NA IGREJA
A Igreja é santa e santificadora, porém,
muitos dos seus filhos são pecadores e a Igreja, consciente disso, não os
exclui de seu seio, salvo em casos extremos. Dizia Pio XII: “Que todos
aborreçam o pecado. Porém, quem pecou e não se tornou indigno, por sua contumácia,
da comunhão dos fiéis, seja acolhido com amor… Pois mais vale, como adverte o
Bispo de Hipona, ‘ser curado permanecendo no corpo da Igreja, do que serem
cortados dela como membros incuráveis. Porque não é desesperada a cura daquilo
que ainda está unido ao corpo, enquanto que, tendo sido amputado, já não pode
ser curado nem sanado’”[3].
Os pecadores são membros da Igreja, mas
não o são no mesmo grau nem do mesmo modo que o justo; e assim é rigorosamente
exacto o que disse o Cardeal Journet: quanto mais se peca, menos se pertence à
Igreja. Por isso, a maioria dos autores é categórica em afirmar que é
inconcebível uma Igreja integrada exclusivamente por pecadores.
Se os pecadores são membros da Igreja, o
são não em razão dos seus pecados, mas por causa dos valores espirituais que
subsistem neles e em cuja virtude, todavia, permanece viva de alguma forma:
valores espirituais pessoais (fé e esperança teologais informes, caracteres
sacramentais, aceitação da hierarquia etc.), aos quais é preciso acrescentar os
impulsos interiores do Espírito Santo e a influência da comunidade cristã que
os envolve e arrasta em seu seio, tal como uma mão paralisada, que nada pode
fazer por si, ainda assim participa de todos os deslocamentos e mudanças de
toda a pessoa humana.
E podemos prosseguir dizendo que, apesar
dos pecadores, a Igreja é santa e imaculada? Sim! A Igreja continua sendo a
Igreja dos Santos, apesar do pecado e inclusive em seus membros pecadores. Como
isto pode ser possível? Porque, assim como a santidade é uma realidade da
Igreja e que, como tal, não está só na Igreja mas também procede da Igreja, o
pecado não é uma realidade “da Igreja”; mesmo quando o pecado estiver na
Igreja, não procede dela, precisamente por ser o ato com que alguém nega a
influência da Igreja.
Mais ainda: à medida em que aceita
permanecer na Igreja santificadora, mesmo que seja apenas por fé e sem
caridade, esta (=a Igreja) o ajuda em sua luta contra o pecado. Por isso,
Journet dizia: “A Igreja carrega, dentro de seu coração, Cristo lutando contra
Belial”.
Por isso, o pecado não pode impedir que
a Igreja seja santa, mas pode impedir que seja tão santa quanto deveria! Dizia
Santo Ambrósio: “Não nela, mas em nós é ferida a Igreja. Vigiemos, pois, para
que a nossa falta não constitua uma ferida para a Igreja”[4].
Assim, então, concluía o Cardeal
Journet: “A Igreja divide em nós o bem e o mal. Fica com o bem e deixa o mal…
[A Igreja] não está livre de pecadores, mas está sem pecado. Por isso, não é
pecadora nem pode pedir perdão por seus pecados. Pede, ao contrário, perdão
para os pecados de seus filhos e por isso ‘a Igreja [é] santa e, por sua vez,
necessitada da purificação’ em seus filhos”[5].
Monsenhor Tihamer Toth dizia: “A Igreja
somos nós: eu, tu, nós, todos… e quanto mais bela é a nossa alma, mais [bela a
Igreja]”.
E outro autor pôde escrever: “A Igreja é
um mistério: tem sua cabeça oculta no céu, sua visibilidade não a manifesta
mais do que de um modo sumamente inadequado; se procurais o que a representa
sem traí-La, contemplai ao Papa e ao Episcopado, que nos ensinam nas coisas de
fé e costumes; contemplai aos seus santos no céu e na terra; não vos fixeis em
nós, pecadores. Ou melhor: vede como a Igreja cura as nossas chagas e nos
conduz com dificuldades à vida eterna… A grande glória da Igreja é constituída
pelo fato de ser santa com membros pecadores”[6].
Rui Manuel
Tapadinhas Alves
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